2016: o ano da Primavera Estudantil

Ocupações de escolas e universidades pelo país mostraram a força da luta de secundaristas e universitários contra os desmandos do governo atual — por Bárbara Amorim & Matheus Almeida

 

A ocupação do prédio central da UFRRJ aconteceu na noite de terça-feira, no dia 25 de outubro do ano passado. (Foto: Vanessa Gouveia)

No dia 25 de outubro de 2016, após uma assembleia que tinha como pauta a análise de conjuntura política, estudantes da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) decidiram ocupar a reitoria da universidade. Eles protestavam contra a reforma do ensino médio e principalmente contra a PEC 241 (na Câmara dos Deputados)\ 55 (no Senado). A PEC foi encarada como uma temeridade por muitos membros da sociedade civil e produziu um amplo debate no espaço público, pois pretendia congelar os gastos na saúde e na educação durante 20 anos. Após tramitar pela Câmara dos Deputados, a proposta foi aprovada sem esforço, na reta final, em dois turnos no Senado: 29 de novembro e depois 13 de dezembro de 2016.

Até a votação final, universidades e escolas por todo o país viveram um momento inesquecível de luta e consciência social. A UFRRJ atuou ativamente nesse processo, com atividades e assembleias constantes, durante dois meses. A motivação de todo esse processo veio de uma onda que já batia na porta das escolas secundaristas em todo o país. E nesse contexto, ao final do ano, mais de 200 universidades e mais de 1000 escolas estavam envolvidas em ações coletivas contra as medidas do atual governo de Michel Temer. O governo, por sua vez, chegou a ironizar o movimento dos estudantes ao declarar: “Hoje, ao invés do argumento intelectual e verbal, usa-se o argumento físico. Vai e ocupa não sei o quê e bota pneu velho em estrada para impedir trânsito”, disse o presidente Temer no seminário Infraestrutura e Desenvolvimento do Brasil, ocorrido no planalto, em novembro de 2016. O peemedebista também questionou se os estudantes sabiam o que era uma PEC, mostrando-se contra as ocupações.

A UFRRJ foi mais um desses espaços de grande força nesse movimento. Os campi de Seropédica, Nova Iguaçu e Três Rios, juntamente com o colégio técnico da universidade (Ctur), participaram em peso, o que levou a paralisações e posteriormente, no mês de novembro, a uma greve geral de técnicos, estudantes, docentes e profissionais terceirizados.

Professor de Filosofia da UFRRJ e presidente d Adur-RJ, Markos Kleimz, explica que “só pelo fato de ser a grande universidade federal na baixada fluminense, ocupar a Rural já tem um caráter singular”. Para o docente, trata-se de uma região que, apesar de sua importância política, cultural e econômica na região metropolitana do Rio de Janeiro, é tratada com notório descaso pelo poder público. “Desse modo, a Rural é uma representante privilegiada do caráter democratizador e inclusivo da universidade pública”, explica.

Leonis Junior, estudante secundarista, destaca a importância do senso de responsabilidade adquirido na ocupação. (Foto: redes sociais)

Para o estudante secundarista de Agroecologia do CTUR (Colégio Técnico da Rural), Leonis Júnior, 18, participante ativo do movimento de ocupação, “os alunos adquiriram um senso de responsabilidade que é indissociável à coletividade, pois essa foi a única lei da ocupação”. Leonis também destaca que outro aprendizado importante foi o desenvolvimento do pensamento de senso crítico dos alunos, obtido a todo momento da ocupação. Ele reitera que os movimentos secundaristas tiveram muita importância dando mais voz e visibilidade para a luta juvenil. “A comunicação entre as escolas, institutos e universidades ocupadas foi uma ação feita com a ajuda dos movimentos secundaristas junto com a proatividade dos polos ocupados”, elucida o estudante.

Em alguns estados, sobretudo no Paraná, a repressão marcou presença e fez com que ocorressem centenas de reintegrações de posses. Para a estudante do 8º período de Jornalismo da UFRRJ, Pamela Machado, também protagonista da ocupação universitária, os boatos e histórias de repressão sofridas em outros institutos foram um dos fatores que resultou na redução do número de ocupantes dentro da universidade.

 

Estudante de Jornalismo, Pamela resolveu gravar um documentário sobre a ocupação na Rural. (Foto: Bárbara Amorim)

Ainda segundo a estudante, o movimento de ocupação teve mais adesão e muito mais mobilização no começo, nas duas primeiras semanas. “Era gente dormindo no corredor e não cabia gente naquele lugar, e o P1 (Pavilhão Central) é enorme. Batemos a assembleia com 400 pessoas ou mais.” Para ela não é possível saber o número de alunos presentes na ocupação, pois o movimento foi grande e espalhado: “A gente tem um cenário bem atípico, bem diferente de outros IF’s, enfim, de outras instituições que foram ocupadas porque a gente tem um campus gigantesco com vários institutos no mesmo campus e a maioria deles foi ocupada”, explicou.

 

Vivência no espaço coletivo

Quentinhas foram distribuídas no primeiro dia de ocupação. (Foto: Tuyuka Lara)

Durante os meses de ocupação, os estudantes vivenciaram a rotina de cuidarem uns dos outros. Isso incluía tarefas como preparar as refeições, manter a limpeza dos espaços e a segurança do local. Para tais foram criadas comissões que foram se aperfeiçoando em vista de uma permanência o mais cômoda possível dos alunos.

Filipe Latto, estudante do 4° período de História afirma que a ocupação em seu âmbito mais geral teve como principal característica a participação da população mais jovem nos assuntos políticos de nosso país. “As ocupações não foram espaços ociosos, existiam mesas de formação, rodas de conversa e cultura. Espaços construídos e protagonizados por pobres, mulheres, negros, negras e LGBTTQI. Todos essas camadas que historicamente foram caladas.”

Aos 23 anos, Filipe Latto vê na ocupação também um legado: a reorganização do movimento estudantil. (Foto: redes sociais)

Para quem se pergunta o que é feito em uma ocupação, a estudante de Jornalismo do 8º período esclarece: “A ocupação não foi só um acampamento, uma colônia de férias, era um espaço politizado e coletivo. Tudo era feito ali no coletivo e pelo coletivo. O que preenchiam os nossos dias eram as atividades. Tinha palestra, no meio da ocupação teve apresentação de peça de teatro, enfim, várias atividades como mesas de debate e sarau.”

 

A Rural na luta contra a PEC

Figurando como a primeira universidade do Rio de Janeiro a ser ocupada e vista como a mais influente carioca no cenário das ocupações, Fernanda Fortini, Coordenadora geral do Sintur (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRRJ) e assistente social do DAST (Divisão de atenção à saúde do trabalhador), faz uma avaliação do processo ocorrido na Rural: “Nós avaliamos que a reitoria da universidade teve uma posição progressista frente às ocupações, sempre primando pelo diálogo, tentando evitar intervenções externas, que inclusive foram encaminhadas. Nós tivemos uma tentativa de sufocar o movimento de ocupação através da intervenção do Procurador Fábio Farias, mas nós conseguimos reverter isso chegando a ter uma posição no âmbito do judiciário”, explicou.

Segundo Fernanda, faltou o protagonismo de outras entidades para que o movimento tivesse maior musculatura para fazer frente a todo esse processo de resistência contra a PEC do teto dos gastos.

 

Frutos da ocupação

Documentário Ocupar sem Temer: a estudante Pamela Machado estava realizando um trabalho para a disciplina de Projetos profissionais com mais duas amigas, Adrian Busch e Kathellen Islyne, com foco na PEC 241\55EC 95. Como participaram ativamente da ocupação resolveram documentar o cotidiano dentro do P1, registrando o dia a dia do convívio nesses dois meses. O documentário foi finalizado e exibido em 14/02, no auditório Paulo Freire, na UFRRJ.

Alimentação gratuita para filhos de estudantes: Uma das conquistas internas que a ocupação trouxe foi a aprovação no Conselho Universitário de que as crianças, filhas de pais e mães estudantes da Rural, vão poder se alimentar de graça até os 12 anos.

Novas pautas: situações de opressão como machismo, racismo e Lgbtfobia tiveram seu espaço de fala marcado nas salas, corredores e assembleias da universidade localizada em Seropédica. “O ano de 2016 foi muito positivo pra Rural na questão política, porque em abril a gente teve a ‘Primavera Feminista’, o surgimento do movimento ‘Me avisa quando chegar’ que foi importante pra pautar a igualdade de gênero, o combate à cultura do estupro e tudo mais”, destacou Pamela.

 

 

 

Ato em Brasília

A mobilização dos estudantes em escolas, institutos e universidades culminou com a ida em Brasília no dia 29\11 e depois no dia 13\12, datas em que houve a votação da PEC.

Os cerca de 30 mil manifestantes, segundo os organizadores, incluindo discentes, docentes, técnicos e terceirizados protestaram contra a medida. A Rural encheu 9 ônibus no primeiro ato e 3 ônibus no segundo ato na capital do país. Pamela diz que mesmo após uma intensa preparação para o ato, já esperando repressão por parte da polícia, o nível de repressão desta ainda foi a maior surpresa para a estudante. O texto da proposta foi aprovado com 53 votos contra 16.

 


O outro lado da história: Movimento “Desocupa”

Entrevistamos um membro da frente “Desocupa”, estudante de 20 anos do curso de Engenharia de Agrimensura e Cartográfica na Rural, que preferiu não se identificar.

 

Como o movimento viu as ocupações feitas por estudantes de todo país?

O movimento Desocupa enxergou as ocupações como uma tentativa de criar instabilidade no país, de forma a pressionar o governo interino. Nada mais. A notória influência partidária nesse processo deixou claro que a ocupação não foi puramente estudantil. Foi político-partidária. Partidos, sindicatos e alunos, muitos destes filiados a movimentos sociais financiados por partidos políticos, conforme observado pela presença da bandeira de muitos destes grupos nos ambientes “ocupados”, deixou claro que havia um interesse muito maior do que “lutar pela educação”.

Houveram reivindicações a favor da educação por parte do Desocupa?

As reivindicações do Movimento Desocupa se restringiram ao direito da liberdade individual e do respeito às leis do país, que são claras ao garantir a liberdade e definir que a ocupação de espaço público onde a liberdade de outrem é cerceada é criminosa. A reivindicação foi que o direito adquirido por aqueles submetidos a processos avaliatórios e gratificados com uma vaga em uma Universidade Pública fosse garantido.

Quais outras formas possíveis de luta em defesa da educação sem ser a ocupação feita por estudantes?

Desde quando ocupação é forma de luta pela educação? Não se melhora a saúde de um país impedindo que médicos atendam e pacientes sejam atendidos. Acreditar que impedir professores de darem aula e alunos de estudarem é lutar pela educação é, no mínimo, um delírio. Ideológico, diga-se de passagem. O movimento acredita que a educação livre de partidarismo é a chave para a libertação de ideologias nefastas e a porta de entrada em uma sociedade mais justa.

 

 

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