Bastidores de um cinema: em meio a amadorismos e uma montanha de “primeiros”
por Gian Cornachini *
Colaboraram Mariana Ribeiro e Samara Costa**
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Gian Cornachini Foto de Pollyana Lopes |
Era para ser uma cobertura típica de um lançamento cinematográfico. “Django Livre”, do diretor Quentin Tarantino, foi o filme escolhido pelo professor Flaviano Quaresma, da disciplina de Fotojornalismo, para a primeira atividade de cobertura jornalística do Laboratório de Fotografia. Mas “primeiro”, também, foi meu dia como monitor da disciplina de Introdução à Fotografia e, como o curso de Jornalismo da UFRRJ é novo, logo, sou o primeiro (de novo) monitor de fotografia do curso. Afinal, de que importa essa repetição de “primeiros”? Bom, na prática, não serve para nada. Agora, à título de curiosidade, fica registrado o primeiro monitor de Introdução à Fotografia, em seu primeiro dia de tutoria, na primeira atividade extra-campus do Laboratório de Fotografia. Pensando bem… será que, na prática, não serve pra nada mesmo?
Era para ser uma cobertura típica de um lançamento cinematográfico. Repeti só para vocês lembrarem como, de fato, o que importa começou agora. O professor Flaviano Quaresma, professor substituto de Introdução à Fotografia e Fotojornalismo (pois é, ainda não teve concurso público para essa área — libera a vaga aí, Dilma!), tem lá seus contatos com o mundo da moda, do cinema, das artes. Foi na sexta-feira (18) que ele entrou em contato comigo e mais três alunos, repentinamente, para cobrir a estreia do filme Django Livre. A rede de cinemas Cinesystem concedeu quatro ingressos para que estudantes de Jornalismo da Rural assistissem ao filme no Shopping Via Brasil, em Irajá, e fizessem qualquer atividade jornalística no local. Os alunos escolhidos foram eu — afinal, minha primeira tutoria como monitor precisava acontecer —, Samara Costa e Phelype Gonçalves, estudantes do 4º período, e Mariana Ribeiro, do 2º período. Ficou decidido que assistiríamos ao filme no sábado, pois temos aula na sexta-feira à noite.
Agora, aqui, no sábado (19), dia da atividade, entra a minha pergunta: será que, na prática, aquela montanha de “primeiros” não serve para nada mesmo? Serve. Sabe para quê? Para atrapalhar todo o processo de uma cobertura jornalística bem feita. Mas não vou explicar isso agora. Vocês vão entendendo no desenrolar da história…
Já no cinema Cinesystem do Shopping Via Brasil, a gerente Aline Ambe recebeu a mim, Samara e Mariana da forma tão simpática quanto esperávamos. Até pipoca e refrigerante ganhamos (não dá para ir ao cinema e não comer pipoca, né?). Perdeu o Phelype Gonçalves que, por ironia do destino, precisou cancelar sua contribuição na atividade.
Nossas idas e vindas foram autorizadas para explorar o cinema todo, e, inclusive, fomos convidados a conhecer a cabine de projeção. Meu coração quase saiu pela boca quando a gerente sugeriu essa visita. Mas precisávamos cumprir o que nos propusemos a fazer anteriormente: cobrir a sessão do filme Django Livre.
“Ah, não. Deixa quieto.”
Faltando 10 minutos para começar o filme, paramos na porta da Sala 1 do cinema e abordamos o pessoal que estava entrando.
— Olá, boa noite. Meu nome é Gian, essa é a Mariana e essa é a Samara. Somos alunos de Jornalismo da Universidade Rural e estamos cobrindo a estreia do filme Django em parceria com a rede Cinesystem de cinemas. Poderíamos fazer uma breve entrevista com vocês?
O casal abordado aceitou. Depois das perguntas, a foto.
— Para publicarmos a foto, precisamos que vocês assinem o termo de uso de imagem. Isso evita qualquer problema para mim e para vocês.
Os olhos deles se arregalaram e a resposta foi clara:
— Ah, não. Deixa quieto.
O rapaz pegou na mão da mulher que o acompanhava e, numa virada de costas, nos abandonou.
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Aline Ambe, gerente do CineSystem do Shopping Via Brasil, averígua a exibição de um filme ao lado de um projetor Foto de Gian Cornachini |
Minha Nossa Senhora dos Focas, o que fazer para que esse povo aceite ser fotografado? Não sabia. Afinal, sou o primeiro monitor de fotografia em minha primeira atividade extra-campus. Eu estava ali coordenando a atividade e, ao mesmo tempo, me sentindo impotente. Uma aura de amadorismo me cobria. Não tinha jeito senão arriscar e fotografar sem a autorização. A matéria é positiva, não é para denegrir a imagem de ninguém. Decidi que, se quiséssemos sair com fotos de entrevistados, precisávamos fotografar sem permissão e, depois, perguntar se eles queriam assinar o termo de uso de imagem. E não é que deu certo? Eu até brinquei com um dos entrevistados:
— Olha só, você não quer assinar o termo. Mas vê se não vai me processar depois, tá bom? (risos)
— Magina (risos), claro que não. Eu até quero essas fotos depois. Tem como me passar por e-mail? Ficaram boas.
Sei que ainda há um risco. Mas, fazer o quê? Tenho que corrê-lo. As fotos dos entrevistados serão usadas em um contexto positivo. Então, não há do que se queixar. Eles até posaram com o cartaz do filme e fizeram jóinha!
Assistir filme todo dia, que agonia!
Eu ainda não tinha tirado da minha cabeça o convite que a gerente Aline havia feito. Queria conhecer a cabine de projeção e já havia decidido que faria uma matéria sobre isso e a publicaria em algum lugar — e cá estou eu, escrevendo para vocês.
— Aline, gostaríamos de conhecer a cabine de projeção agora — disse eu, com um olhar de piedade.
— Claro, vamos lá! — respondeu ela na mesma simpatia.
E a trupe subiu uma escada, depois outra e, depois, entrou em um corredor comprido. Esse corredor tinha uma iluminação fraca e era refrigerado. Nas paredes, janelas quadradas que não eram abertas. Na frente dessas janelas, máquinas grandes, mais parecidas com copiadoras de última geração, projetavam uma luz que ultrapassava essas mesmas janelas. E lá estavam os projetores do cinema. Mas onde estavam os rolos dos filmes? No passado.
— É tudo digital. — explicou Aline — Quem entra aqui pela primeira vez perde o encanto. Os filmes, agora, não são mais em película. Eles chegam em HDs e tudo é controlado por computador.
Ok. Não há como negar que ficamos um pouco frustrados, pois queríamos ver o filme rodando em projetores clássicos. Imaginem só ver 24 quadradinhos de uma película gigantesca passando por apenas um segundo no projetor … Mas isso foi substituído por máquinas controladas por computadores e supervisionadas por seres mortais. Então, cabia a nós descobrirmos como funciona essa nova tecnologia.
Em um longo bate-papo, a gerente Aline e os operadores cinematográficos Ronaldo Mendonça e Leonardo Balthazar explicaram para nós como é a rotina de um cinema totalmente digital. A distribuidora de filmes repassa os HDs com dois dias de antecedência para o cinema. O tempo é suficiente para ser assistido com a intenção de verificar se há erros no HD. E quem faz essa análise são os operadores cinematográficos. O ponto positivo para eles é que, enquanto estamos em casa roendo as unhas de ansiedade para assistir à estreia tão aguardada, os caras já viram primeiro:
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Os operadores cinematograficos, Leonardo e Ronaldo, e a gerente Aline, verificam o andamento dos filmes Foto de Gian Cornachini |
— Se for um filme que a gente quer ver, nossa, é demais! Assisti Os Vingadores desde a revisão até sair de cartaz. Essa profissão é muito boa! — contou Ronaldo, com um sorriso enorme no rosto.
Tudo bem que ele disse que é sensacional assistir antes de todo mundo, mas e se o filme for um daqueles chatos que não dá para ver duas vezes?
— Aí eu só volto no projetor para ver se está tudo certo, se a legenda não sumiu ou se o som não está baixo. Deixo o computador fazendo o restante sozinho…
É. O Ronaldo conseguiu se safar dessa, mas não totalmente. Toda semana, ele e Leonardo precisam revisar os filmes para ver se está tudo certo com eles:
— A gente chega cedo e assiste todos os filmes. Essa é a parte chata. Mas temos que assistir, né! — explicou Leonardo.
E nas férias, heim? Será que dá vontade de ir ao cinema? Ronaldo nem esperou eu terminar a pergunta e já foi logo respondendo:
— Não quero nem passar perto! Só que a namorada quer, aí sou obrigado a vir. Até cortesia ela pede… vê se posso! — revelou o operador. Todos riram, até Aline. Falando na gerente, fiz a mesma pergunta à ela.
— Comigo é diferente. Quando venho ao cinema com minha filha, ela logo diz: “mamãe, tem gente fazendo barulho ali. Pede para eles ficarem quietos!”. Olho para um lado, olho para o outro e não vejo nenhum funcionário para que eu possa reclamar e pedir que ele chame a atenção do barulhento. Logo penso: ah, deixa que, quando eu voltar, vou puxar a orelha deles! — respondeu a gerente, dando uma gargalhada logo após. O ar descontraído enchia nossos pulmões e a hora de ir embora batia às nossas portas.
Epílogo
Era para ser uma cobertura típica de um lançamento cinematográfico. Mas não foi só isso. Foi mais, foi muito mais. Foi a primeira atividade do Laboratório de Fotografia, no primeiro dia de trabalho do primeiro monitor da disciplina de Introdução à Fotografia. E aquela pergunta que eu havia feito lá no começo? Essa montanha de “primeiros” serve para alguma coisa? Como rapidamente respondido, serve para atrapalhar. Eu poderia ter vindo com muitas outras curiosidades do cinema para vocês, muitas outras fotos. Mas foi só quando cheguei em minha casa que lembrei de outras perguntas interessantes que eu poderia ter feito. Isso se chama amadorismo, aquilo que acontece, principalmente, nas primeiras vezes. Serve para destruir nosso humor na hora de ver as fotos no computador e perceber que a lente escolhida para a câmera não foi a mais apropriada, pois de dezenas de fotos, poucas se salvaram com foco. Entretanto, serve, também, para lembrar que estou na condição de estudante, e isso é mais do que natural no processo de amadurecimento acadêmico e profissional. Serve para deixar claro que a montanha de “primeiros” é uma desgraça, mas também é uma benção.
Ainda tenho uma carta na manga e deixo, logo abaixo, mais informações sobre os bastidores de um cinema digital. É tudo o que me restou de informação. Amadorismo, o maldito do amadorismo ! Mas tudo bem. Com o tempo a gente aprende…
Um pouco mais sobre os bastidores do cinema:
— O filme de maior bilheteria no CineSystem do Shopping Via Brasil foi Amanhecer – Parte 1;
— O filme que ficou mais tempo em cartaz no CineSystem foi Alvin e os Esquilos 3, fazendo a alegria das crianças por quatro meses;
— São exibidas, diariamente, 30 sessões de filmes;
— A temporalidade do filme em cartaz varia de acordo com o movimento, que estipula a arrecadação. Toda sexta-feira tem uma estreia, e alguns filmes podem durar apenas uma semana em cartaz enquanto outros mais de meses;
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Um computador central controla todos os projetores e a exibição dos filmes Foto de Gian Cornachini |
— A mesma distribuidora que faz a entrega dos filmes, busca os HDs. A validade deles é de uma semana, pois todos têm uma chave específica que funciona apenas em um projetor. Se o filme tiver uma boa receptividade e durar mais de uma semana em cartaz, a distribuidora manda uma outra chave para liberar a exibição;
— O trabalho dos operadores cinematográficos não fica preso à cabine de projeção. Eles precisam circular nas salas de exibição para verificar algum possível erro que não tenham identificado pela cabine de projeção, como o volume do filme, o foco da imagem e, inclusive, a temperatura do climatizador;
— Todos os dias acontecem problemas nas exibições dos filmes. As máquinas são imprevisíveis e, de repente, pode sumir a legenda do filme. Em média, são identificados três erros diariamente. O mais comum é a lâmpada do projetor falhar: ela tem um tempo de vida e, quando está chegando ao fim, começa a se apagar;
— Quando um erro acontece, é possível retornar o filme (para a alegria de uns e desespero de outros). Os projetores digitais permitem um fácil acesso à linha do tempo e, por isso, o trabalho de voltar o filme é menor, já que o arquivo é digital. Com projetores de película, seria necessário desmontar todo o equipamento para rebobinar o filme.
* Gian Cornachini é aluno do sexto período do curso de Jornalismo.
Mariana Ribeiro e Samara Costa são, respectivamente, alunas do segundo e quarto períodos do mesmo curso.