Intolerância e diversidade reúne especialistas na Rural
por Kilber Moreira
Nesta última quinta-feira, 12, o Salão Azul abriu suas portas para palestra sobre a intolerância e a diversidade. O evento reuniu especialistas no tema e compuseram a mesa: Roberto Augusto Lopes Gonçale, advogado e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ; Ana Paula Alves Ribeiro, antropóloga, doutora em Saúde Coletiva e pesquisadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências) IMS/UERJ; Marcos Nascimento, psicólogo, pesquisador na área de gêneros em masculinidades e doutorando em Saúde Coletiva, IMS/UERJ; e Monique Rodrigues, graduanda em sociologia, coringa e especialista na metodologia do Centro do Teatro do Oprimido (CTO).
Na abertura do evento, Nídia Majerowicz, decana de Ensino de Graduação da UFRRJ, aproveitou a oportunidade para expor sua satisfação pelo fato do tema estar sendo discutido de forma inclusiva e participativa pela Universidade, acreditando que esta é a maneira ideal de se construir a sociedade. Ela reafirmou seu temor com a intolerância, “uma espécie de câncer”.
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Nídia Majerowicz em foto de Ramon César |
– A intolerância existe de muitas formas diferentes, está presente no cotidiano das pessoas. A sociedade evoluiu bastante e hoje as vítimas têm coragem de denunciar abusos às autoridades, mas as relações de poder e de submissão ocasionadas pelo trote, por exemplo, estabelecem vínculos e posturas que se manifestarão fora da universidade. A intolerância só cresce se formos coniventes com ela.
Em seguida, os convidados foram chamados a ocupar a mesa pela professora Luena Pereira, representante do curso de Ciências Sociais, que promoveu o evento. Os palestrantes dissertaram sobre a importância da tolerância e da coexistência entre pessoas com opções e personalidades diferentes. Segundo Roberto Gonçale, o preconceito e a discriminação são formas de controle social, sendo manifestados pela necessidade de interação a um modelo social pré definido (pautado em jovialidade, modernidade, poderio econômico), o que leva à exclusão. As justificativas para o preconceito são definidas por efeitos do “não reconhecimento geral”, baseados em medo, repulsa, preservação, afastamento, discriminação, opressão e anulação. De acordo com estatística do IMS apresentada por Gonçale, 74% das agressões sofridas por homossexuais são cometidas por seus próprios familiares.
– Os integrantes do grupo LGBT sempre foram tratados como portadores de enfermidade, sendo o dia 17 de maio definido como o Dia Internacional contra a Homofobia, justamente por ter sido nesta data que a homossexualidade deixou oficialmente de ser considerada uma doença. A recente decisão do STF (reconhecimento de união estável homoafetiva entre casais homossexuais), por exemplo, muda a atual situação em muitos aspetos, mas ainda precisamos pensar em como modificar ainda mais o panorama jurídico para gays, lésbicas e trans.
O pesquisador Marcos Nascimento afirmou que a luta para a criminalização da homofobia precisa continuar. Ele ressaltou também que os temas da violência e da sexualidade foram os mais recorrentes em seus últimos 15 anos de análise. Marcos citou ainda o fato de que em alguns países, principalmente na Ásia e África, o homossexualismo é considerado delito. Na Nicarágua, até 2008, a prática de sodomia era motivo de prisão.
Nascimento apresentou uma estatística proveniente de sua pesquisa: os gays são a quarta classe de pessoas que a população não gosta de encontrar, perdendo apenas para usuários de drogas, ateus e ex-presidiários, e ficando na frente de garotas de programa e transexuais, por exemplo. Na mesma pesquisa, do número de entrevistados que acreditam na existência de preconceito contra homossexuais na sociedade, cerca de 27% afirmaram também cometerem discriminação.
– A homofobia é uma violação dos direitos humanos que ocorre em várias instâncias. Nosso sistema é pautado na “heteronormalidade”: o hetero é classificado como normal e saudável, onde já assumimos que relações heterossexuais são as normais. A população não se preocupa em ser politicamente correta, não há pudor em taxar os homossexuais como pertencentes a uma condição errada. O conceito é tão arraigado que acreditam não haver reverberação em torno dele.
Sobre intolerância religiosa, Ana Paula Ribeiro apresentou seus próprios trabalhos, voltados principalmente para a questão das posturas contrárias às religiões minoritárias (não hegemônicas) presentes no país, caso das afro-brasileiras. Ela citou o Código Penal como base para a escolha religiosa, já que no estatuto, entre outros direitos de liberdade, está garantida a escolha de religião e de mudança religiosa, e afirma que o Estado, por ser laico, possui como dever assegurar o direito de religiosidade ou não-religiosidade de cada cidadão.
– Todos temos algum tipo de preconceito, e fazer com que isso não se torne algo violento e opressor é o objetivo e o desafio particular de cada um. Antes, o Código Penal criminalizava as religiões afro-brasileiras. Hoje, a zombaria, a ofensa e a perturbação desses cultos são consideradas crime.
Segundo Ana Paula, dois fatores intensificam o preconceito: algumas religiões não usam as mídias de comunicação apenas com o intuito de afirmar suas convicções, mas para menosprezar determinadas crenças ou atitudes, o que é igualmente qualificado como discriminação; o fato da desterritorialização obrigada, quando um morador é forçado a se afastar de seu bairro por ser adepto de uma religião diferente. Realidade bastante comum envolvendo crenças afro em comunidades dominadas pelo tráfico ou pela milícia.
– Para combater a intolerância, é preciso que haja a obrigatoriedade de ensinar a cultura afro no ensino fundamental e médio, além de formar uma agenda política para o debate da tolerância religiosa. Também contamos com o apoio da mídia, de censos e mapeamentos, que ajudam a divulgar o tamanho da população axé. Estamos indo para a IV Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, que agrega várias religiões, integrando budistas, católicos e ciganos, por exemplo, e tem sido eficiente na luta contra a intolerância.
A última a falar foi Monique Rodrigues, coringa do Centro do Teatro do Oprimido (CTO). O grupo, idealizado por Augusto Boal em 1986, e que a partir de 1996 tornou-se uma organização não-governamental, busca introduzir pessoas com deficiências psíquicas em construções de cenas teatrais a partir de suas realidades, apresentando espetáculos de Teatro-Fórum (atores e público contracenam entre si), como uma técnica de integração e ocupação.
– Utilizamos a arte como ferramenta de transformação da realidade. Trabalhamos com o ser humano como um todo, pois acreditamos que a arte não é uma condição de poucos e sim de todos, sendo inerente à humanidade. Nas oficinas do CTO, buscamos desenvolver técnicas para produzir e compartilhar arte.
Com a desativação de manicômios e de muitos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), os novos centros buscam tratar os usuários não apenas no aspecto psiquiátrico, como também no crítico, potencializando a sua cidadania. Em uma edição piloto realizada em 2004, no Rio de Janeiro, o CTO capacitou mais de 300 profissionais em 90 unidades.
– Convidamos profissionais e os capacitamos para difundirem as técnicas do projeto em outras unidades. Diversos usuários do CTO participaram da última conferência sobre saúde mental, o que se traduz num grande ganho.
Na parte final do evento, os convidados responderam aos questionamentos do público presente. Era visível um clima de maior percepção da realidade dos grupos LGBT e o quanto ainda resta a ser feito para que seus integrantes tenham condições judiciais e morais cada vez mais dignas.