“O topo da montanha” e a representatividade de negros e pobres nos espaços públicos

Eu tive a oportunidade de assistir recentemente a peça “O topo da montanha”, no Theatro Net Rio, em Copacabana. Dirigida e encenada por Lázaro Ramos, com a participação da talentosa Taís Araújo, a peça retrata o último dia de vida do pastor protestante e ativista político Martin Luther King, assassinado em 1968.

Do ponto de vista técnico, eu diria que o espetáculo cumpre bem o seu papel ao brincar com luzes e efeitos sonoros, as atuações são impecáveis. Tanto Lázaro quanto Taís conseguem, com primor, dar vida a personagens complexos, que não são perfeitos, assim como eu que escrevo e você que me lê. São seres particulares que erram, acertam e têm hábitos ruins, assim como qualidades.

Observações mais gerais feitas, meu objetivo com este texto é analisar, ainda que de forma impressionista, a representatividade de negros e pobres na plateia. Primeiramente, gostaria de dizer que parto do lugar de fala de uma mulher branca, porém que se enquadra na chamada “classe c”, “classe baixa” ou “emergente”. Creio que justamente por enxergar através da ótica dos menos favorecidos economicamente que eu pude ser capaz de fazer um questionamento interno acerca da população que compunha aquele recinto, localizado na Zona Sul do Rio. Eu me emocionei com a peça – forte ao retratar a desigualdade racial e, humorada, sobretudo através das falas de Camae, papel de Taís. Acho que todos deveriam ter a possibilidade de assistir.

Entretanto, a questão que proponho é uma reflexão: o teatro é um meio inclusivo ou ainda é um espaço elitizado? Bem, prefiro deixar a pergunta no ar e focar no cenário por mim observado. Desde a entrada para a sessão, quando eu estava na fila, o que vi foram pessoas majoritariamente brancas, bem vestidas, muitas delas falando sobre outros eventos culturais, os quais tinham frequentado. E com esse pano de fundo de ilustração eu só conseguia pensar: eu não faço parte desse lugar. E não, eu não faço. Não é esse tipo de lugar que eu frequento, não são essas pessoas que parecem estar maquiadas 100% do dia as quais vejo diariamente. Não são naquelas carteiras em que me sento. Ora, mas você deve se perguntar: então como você assistiu a tal peça? E a resposta está no ingresso que ganhei de uma professora em um sorteio em uma disciplina do curso de jornalismo – contrariando toda a minha má sorte.

Taís e Lázaro no teatro NET Rio. Créditos: Divulgação do evento (facebook).

Ainda assim, mesmo com a ponte que separa a elite do povo, há algumas iniciativas que precisam ser exaltadas. Tais iniciativas proporcionam o acesso de quem não é capaz, por exemplo, de pagar o valor de um ingresso para assistir uma peça na Zona Sul do Rio. A exemplo disso, a parceria feita com o Sesc proporcionou ingressos a preços populares para o espetáculo sobre Luther King, com valores de até R$25,00.

Além disso, a peça teve sessão gratuita em sua estreia na Bahia, localizada no Nordeste, onde a maioria da população é negra. Exibida no Teatro Castro Alves (TCA), para um público de 1450 pessoas, composto por estudantes de escolas públicas e jovens atendidos pelas bases comunitárias de segurança e integrantes de movimentos sociais. A ideia, partiu do Lázaro Ramos, ator baiano, e é o tipo de ação que deveria ser seguida pelas nossas caras autoridades, numa tentativa de equiparar – ou ao menos avançar para que isso seja possível, a desigualdade sócio-racial.

Enfim, aquele foi um dia importante para mim, para muito além do ato de assistir uma peça de teatro. A relevância se encontra nas sensações provocadas, no sentimento de pertencimento, ou não pertencimento. É claro que haviam pessoas negras e acredito eu que de condições econômicas não tão elevadas, mas elas não eram maioria. E por que não? Por que ainda há uma exclusão cultural para negros e pobres, assim como há para outros grupos minoritários. Segundo dados do IBGE de 2015, por exemplo, menos de um quarto das cidades brasileiras possuem teatro. Cabe a pergunta: e quem tem acesso a esse tipo de produto?

Vale a reflexão ♦.

 

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