A poesia nossa de cada dia

Pesquisas, estudantes e professores revelam a importância do gênero literário no cotidiano — por Bárbara Oliveira

 

(Foto: Banco de Imagens)

(Foto: Banco de Imagens)

O dia 20 de outubro, no calendário oficial, é considerado o dia do poeta. Mas o que pode vir a significar ser poeta no século XXI? Na Antiguidade, a poesia era usada como entretenimento, ritual e filosofia, e os poetas eram considerados pessoas sábias. Na Grécia Arcaica, por exemplo, o poeta era um narrador social. Em épicos como Ilíada de Homero, o poeta atuava como um relator central, figurando como personagem importante no seio da vida coletiva.

A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada anualmente pelo Instituto Pró-Livro, mostra que a poesia é um gênero literário ainda pouco apreciado pelo brasileiro. Os dados obtidos com cerca de 5.000 cidadãos, de 23 de novembro a 14 de dezembro de 2015, apontam que apenas 12% dos entrevistados acima de 5 anos gostam da modalidade. A maior parte destes leitores se encontra no ensino fundamental II, na faixa etária de 11 a 13 anos, o que pode apontar que esse hábito estaria associado a alguma exigência escolar.

Nas palavras de Ferreira Gullar, “A poesia não revela a realidade, a poesia inventa a realidade”. Para o dicionário Aurélio, poesia é “a arte de fazer obras em verso. É um processo de inspiração. É aquilo que desperta o sentimento do belo”. No entanto, essa beleza tão comum da poesia, que de forma simples pode ser definida como sentimento ou expressão de um “eu” interior, carece de destaque no cenário e no mercado literário.

 

A cultura da poesia

Marcos Pasche é professor de Literatura Brasileira na Rural e evita o olhar pragmático sobre a poesia. (Foto: Bárbara Oliveira)

Marcos Pasche é professor de Literatura Brasileira na Rural e evita o olhar pragmático sobre a poesia. (Foto: Bárbara Oliveira)

Segundo o professor de literatura brasileira do curso de Letras da UFRRJ, Mário Newman, a falta de interesse pela poesia no Brasil tem alguns motivos, entre eles o fato de se estimular a área criativa nas séries iniciais da escola, mas, no ensino médio, pelo acúmulo de matérias a serem trabalhadas, deixa-se de lado a criatividade escrita necessária para a contemplação de gêneros como a poesia.

Newman ainda atenta para o preço elevado dos livros e a própria falta de costume da cultura brasileira em não se ler. Entretanto, Mario não é pessimista e alega que o consumo da poesia se dá de forma expressiva também pela música. No cancioneiro popular, são fartos os exemplos, em obras como as de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, expoentes da Bossa Nova, além de Caetano Veloso e Gilberto Gil, do movimento Tropicália, entre tantos outros nomes.

Uma visão mais abstrata sobre a poesia é apresentada por Marcos Pasche, também professor de literatura brasileira da UFRRJ.

“A primeira e grande serventia da poesia é mostrar sua total desutilidade para uma concepção utilitarista da realidade, que é própria do século XXI (mas não apenas dele). A poesia ousa existir de modo absolutamente prescindível se pensar que tudo deve ser peça da engrenagem da máquina do mundo. Aí, portanto, ela mostra sua grande razão de ser, porque ela pode dar ao homem a experiência do radical reencontro consigo próprio, levando-o a refletir sobre as convenções que se apresentam como verdades inquestionáveis e, a partir de então, reconceber sua própria existência”, explica.

 

 

 

Benefícios poéticos

Fazer poesia não é apenas um momento de prazer a sós com as palavras. Esse gênero textual também proporciona benefícios para o corpo e a mente. Segundo um estudo da Universidade de Exeter, na Inglaterra, a poesia atua em uma parte do cérebro responsável pelas lembranças e os sentimentos, como a música, estimulando a memória afetiva. A pesquisa foi publicada na revista “Journal of Consciousness Studies”.

Um exemplo dessas vantagens é usar a poesia na redução de dores, como mostra uma pesquisa feita na Universidade Federal do Maranhão. O artigo, “Avaliação dos Efeitos da Música e da Poesia na Redução de Dor Oncológica: Um Teste Clínico Randomizado”, publicado em julho de 2016 no “Journal of Palliative Medicine”, se empenhou em desvendar os efeitos dessas terapias alternativas. O foco foi a diminuição da dor em pacientes hospitalizados com câncer e sob o uso de analgésicos.

Depois de reclamarem de dores na semana anterior ao estudo, 75 pacientes com câncer e mais de 18 anos foram divididos em três grupos: um foi exposto à música, outro à poesia e o terceiro a nenhuma terapia complementar. Quem teve acesso à música reagiu com um alívio nas dores, mas os pacientes expostos a poemas revelaram algo além disso: desenvolveram ainda mais esperança.

 

Poesia também é para criança

Roberto Bozzetti, docente de Letras, reforça o valor da poesia no dia a dia das crianças. (Foto: Bárbara Oliveira

Roberto Bozzetti, docente de Letras, reforça o valor da poesia no dia a dia das crianças. (Foto: Bárbara Oliveira

O professor Roberto Bozzetti, também docente de Teoria da Literatura do curso de Letras da UFRRJ, ressalta a importância de estimular o hábito de ler e escrever o texto poético com crianças. “Estimular leitura de poesia é fundamental na criançada porque ajuda a mostrar que o mundo pode ser organizado, lido e pensado de forma alternativa aos padrões vigentes. Ou seja, reforça a desconstrução do pensamento através da linguagem. E isso é muito sério”, explica o docente.

No entanto, despertar o prazer da poesia nas crianças não é uma tarefa simples, visto que com o advento das novas tecnologias os pequenos estão cada vez mais conectados e preferem bem mais as telas luminosas dos celulares do que letras impressas em papel, o que facilita a dispersão.

Segundo dados de 2014 do Painel Nacional de Televisão, do Ibope Media, responsável por registrar a evolução do tempo dedicado à TV por crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos, o tempo gasto por elas no televisor foi de 5h35. Elas acabam deixando de ler o suficiente.

No entanto, esta dispersão deve ser um pretexto para que os pais estimulem em seus filhos o hábito da leitura poética. Um livro pode ser um presente muito mais valioso do que um smartphone e ainda pode fazer com que as crianças desenvolvam o senso crítico mais cedo.

O professor Mário Newman ressalta a importância dos pais também serem estimulados no gosto pela poesia. (Foto: Bárbara Oliveira)

O professor Mário Newman ressalta a importância dos pais também serem estimulados no gosto pela poesia. (Foto: Bárbara Oliveira)

O exercício de sensibilização ao gênero, no entanto, não passa por somente entregar um livro clássico de poemas nas mãos de uma criança de 6 anos e querer que ela não apenas entenda a mensagem por trás dos versos como também goste do que está lendo. É preciso que os pais e educadores apresentem as obras da forma mais lúdica possível e que também participem do processo de degustação da leitura.

Para os pais que não têm o costume de ler, uma alternativa para se estimular o gosto pela poesia são os centros sociais, culturais e a escola, sugere Mário Newman. “É por projetos de leitura e produção textual que se faz a chance de uma criança que tem pais desconectados do gosto literário, do prazer da poesia, conhecer e vir a gostar”, complementa o docente.

Fabiane Verardi Burlamaque, mestre e doutora em Letras, formada pela Universidade de Passo Fundo (UFP) explica na obra “Os primeiros passos na construção de leitores autônomos: a formação do professor” que a poesia pode vir a ser um meio lúdico para se brincar com a língua, para trabalhar com o imaginário da criança e para desenvolver nesse indivíduo a criatividade e principalmente o prazer estético.

 

 

Sarau Pede Poesia

Nem só de texto acadêmico vivem os estudantes de graduação. No intuito de abrir um espaço para a fruição poética, o Diretório Acadêmico de Letras da UFRRJ (DALE) realizou um Sarau Literário em 16 de junho de 2016, no Auditório do PAT (Pavilhão de Aulas Teóricas). A primeira edição contou com a participação de alunos não apenas do curso de Letras, mas também de Jornalismo e outros cursos. Dentre as atividades desenvolvidas, leituras de poesias escritas pelos próprios alunos e professores.

Além de poemas de autores consagrados, foram realizadas também apresentações musicais. Para o Coordenador de Cultura e Eventos do curso, Matteus Alario, do terceiro período do curso de Letras, o evento foi muito positivo. “Eu já tinha esse projeto há algum tempo.Na minha cabeça era mais intimista, mas isso antes de ser membro do diretório. Foi minha primeira proposta na chapa, e minhas companheiras e companheiros ajudaram muito a desenvolver a ideia e a realizar”, relatou.

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