Projeto levou alunos da UFRRJ à aldeia Pataxó no Sul da Bahia

por Natália Figueiredo*


foto: arquivo do projeto
Um grupo de alunos da UFRRJ participou do I Estágio de Vivência Multidisciplinar em Área Indígena Pataxó e do III Estágio de Vivência Agroflorestal, de 14 a 28 de agosto, no sul da Bahia. Sob a coordenação do professor Carlos Domingos, chefe do depto. de Ciências Ambientais, a equipe viajou para a aldeia indígena Barra Velha para desenvolver projetos de agrofloresta, recuperação de nascentes, educação ambiental, horta de ervas medicinais e agroindústria com produtos da região. Os estudantes, inclusive a autora desta matéria, puderam conhecer a história da comunidade e um pouco da cultura nativa.

Barra Velha tem 8.660 hectares localizados na reserva de Monte Pascal e faz divisa com as cidades turísticas de Caraiva e Ponta de Corumbau. Na aldeia, vivem cerca de 1.500 habitantes, da etnia pataxó, primeira a ter contato com os portugueses. Alguns elementos que compõem o ambiente: casas de pau a pique (madeira e barro), carros e motos, vestimentas urbanas, mercearias e um bar. O forró é o tipo de música mais apreciada. Mas as necessidades de adaptações ao meio justificam muitas dessas mudanças. Como a região é próxima ao mar, com vento contínuo e forte, as casas de palha não resistiam. E a distância da aldeia até o centro de Porto Seguro é grande, tornando importante o uso de veículos automotores em emergências.
marco da aldeia
Os indígenas falam o português, mas a língua de origem, o Pataxohã, ainda existe e é ensinada na escola da aldeia. No dia a dia, usam palavras como Kakusu (homem ou marido), Jokana (mulher ou esposa) Jokana Baixu (mulher bonita), Kijeme (casa) e Tupã (Deus). A economia é baseada na pesca, no artesanato e na agricultura. A mandioca representa a maior parte da produção dos pataxós.

A escolha do cacique durante muito tempo foi hereditária, como contou o ex-cacique José Ferreira de 57 anos, mas hoje é feita em assembléia com os moradores e as lideranças da aldeia. Há oito anos, o posto é ocupado por Romildo. A função do cacique é trazer melhorias e segurança para a aldeia. Há também o cargo de pajé, ocupado por Albino Braz Salvador, o curandeiro e líder espiritual da tribo, conhecedor de todas as rezas, ervas e plantas medicinais da cultura pataxó.

Uma igreja católica e uma protestante Maranata estão presentes na aldeia. A maior parte dos indígenas hoje é de protestantes, fato curioso, já que há alguns anos toda a aldeia era católica devido à colonização portuguesa. E o mais impressionante é que eles não se recordam de um culto original. Idosos, adultos e jovens lembram-se somente que no início era só o catolicismo e depois veio o protestantismo. Os que são católicos ainda mantêm cânticos, danças e a as festas tradicionais como a festa da Lua cheia. Mas estas manifestações são proibidas aos protestantes. Se eles são maioria, o que ainda restará da cultura indígena no futuro?

História de luta pela terra


Luiz Braz e esposa. 
Outro dado importante da história desse povo foi a luta dos antepassados pela posse das terras em Barra Velha. Dois fatos marcaram essa trajetória: um conflito conhecido como Guerra ou Fogo de 51; e, na época do governo Collor, a tentativa do Ibama de fechar a área da reserva florestal e expulsar a população indígena ou impedi-la de utilizar os recursos da floresta.


Muito viva na lembrança dos mais velhos, a Guerra de 51 foi um massacre ocorrido na aldeia em 1951. O cacique da época, chamado Onoro, liderou um grupo para ir até o Rio de Janeiro em busca do direito de demarcação das terras onde residiam. Foram caminhando, trabalhando em fazendas, conhecendo os lugares e chegaram até a sede do antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio). Eles falaram das necessidades da aldeia e sobre o povo que vivia na região. Dois homens ouviram a conversa e os aguardaram ao lado de fora, passando-se por engenheiros que poderiam ajudá-los na demarcação das terras. Foram até a região, fizeram uma reunião com a comunidade e ganharam a confiança dos mais velhos. Esses homens eram assaltantes e armaram uma emboscada contra os índios, que acabou envolvendo a polícia da região e levando a mortes, cabanas incendiadas e perseguição nas matas. Os índios que não conseguiam fugir foram mortos ou capturados. Ao fim os ladrões foram presos, o cacique Onoro e mais um índio das lideranças foram julgados, conforme nos contou Luiz Ferreira Braz, Joacir Braz e José Ferreira, moradores da aldeia.
Raoni, liderança jovem da aldeia, relata que os índios fugitivos começaram a trabalhar em fazendas para sobreviver ou construíram outras aldeias. “Foi nessa época que começou a miscigenação do povo pataxó com os brancos. Casaram, começaram outras famílias e não queriam voltar mais para cá. Até hoje tentamos falar com índios que moram fora da aldeia e que viveram aqui naquela época. Muitos não querem voltar com medo de um novo  ataque. Foi uma perda muito grande para os pataxós, não só material, mas para a nossa identidade.”, lamenta o jovem.
Restaram sete famílias reunidas aos poucos pelo avô do ex-cacique José Ferreira, o cacique Pifani, que divulgou aos índios que a guerra havia acabado e tentou uni-los novamente. Depois de alguns anos os indígenas pediram auxílio ao prefeito do Prado, que os aconselhou a ir até Brasília falar com a FUNAI sobre a posse da terra, que ainda não havia sido resolvida. Eles foram caminhando durante seis meses para tentar legalizar suas terras, entre eles estava Luiz Ferreira Braz, 83 anos, que nos relatou parte da história e sua viagem.

*A autora é aluna do curso de Jornalismo e participou do projeto de vivência.

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