Quem para no Pará

alunos de jornalismo da UFFRJ juntam-se à  Militantes da Executiva Nacional de Comunicação e fazem a menina “Enecos” tremer

por Douglas Colarés

(texto colaborativo)

O Pará tem suas belezas, seus encantos e seus mistérios. Entre aviões, ônibus, metrôs, barcos e muito bater perna, 19 estudantes do Rio de Janeiro (da UFRRJ, UFF, UFRJ, Uerj, Facha e UBM) chegaram ao 39º Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação, o Enecom, em Belém. O congresso reuniu mais de 200 jovens auto-organizados para discutir genocídio da população negra no Brasil e a invisibilidade das causas indígenas e amazônicas.

 

Mensagens na parede durante o Enecom 2018

Mensagens na parede durante o Enecom 2018 (Foto: Douglas Colarés)

 

Fui um desses jovens! A chegada ao Pará não foi fácil. Como dito por Matheus Britto, um dos participantes do evento, “a vida na militância é ingrata, talvez precise ser assim mesmo – sem muito reconhecimento para não sucumbir ao ego”. Com as dificuldades enfrentadas pelas universidades, não conseguimos transporte ou ajuda financeira. Restou vender rifas, bebidas, pedir ajuda aos professores, tirar aquela “economiazinha” da poupança e investir nesse sonho. O sonho de comunicadores do país todo na luta por uma comunicação mais alternativa, horizontal e justa.

Saímos do Rio, o de janeiro, direto para o outro rio, o Guamá, em pleno agosto, mas que nada indicava ser o mês do desgosto ou do inverno. O calor humano e da temperatura (sobretudo nos alojamentos com todo mundo dormindo junto) nos foi companheiro de jornada todos os dias. Várias foram as caminhadas debaixo de sol para almoçar no Restaurante Universitário da UFPA, o famigerado picadinho, ou ir às mesas e plenárias.

À tarde, vinha o alívio quando a chuva caía, refrescava e logo passava. Devido ao clima equatorial-úmido, Belém deve ser a cidade das viúvas, tamanha as vezes que sol e chuva se misturam. Era o respiro que todos esperavam. Respiro que também se dava pelas festas, as chamadas Culturais. Era o momento de esquecermos todas as dores e discussões em busca de um mundo melhor- embora elas também rolassem em meio à música- e poder dançar, conhecer pessoas, bocas, sotaques, histórias e desfrutar um pouco mais dos artistas locais. Os espaços contaram com shows da Guitarrada das Manas, numa festa com a temática de mulheres; Pelé do manifesto e Zimba Groove no dia de destaque black; e Leona Vingativa, ícone da comunidade LGBT e viral da internet. O carimbó fez transpirar e transcender com a banda Cobra Venenosa. No último dia, foi a vez do Bando Mastodontes encerrar o evento com uma mistura de MPB, jazz e melancolia. Era hora de todos chorarem as despedidas! ‘E quando muito embora te ocorra de sentires saudades, não me mande noticias da mudança dos ventos. Cada parte é o passado que fica, siga a estrada de sintra ♫

 

Mesa do Enecom 2018

Mesa do Enecom 2018 (Foto: Douglas Colarés)

 

Com o tema Comunicação, Negritude e Povos da Amazônia, o encontro se debruçou sobre a invisibilidade sofrida pelos nortistas. Entre as mesas, destaque para o espaço “Grandes Projetos da Amazônia”, que contou com as falas de diversas ativistas: Socorro Silva, Maria Elena, Helena Palmiquist e Maria Mercês que debateram sobre a violação e expropriação de terras e populações locais. Considerada a principal mesa do evento, os depoimentos foram demasiados fortes. Mercês nos mostrou todos os remédios (uma sacola cheia deles) que toma devido às doenças adquiridas em função da poluição das águas dos rios com produtos químicos. Para contar com a participação de Socorro Silva foi necessário que a Comissão Organizadora conseguisse uma escolta tamanho risco corrido pela ativista, jurada de morte devido aos enfrentamentos em prol das lutas ambientais.

A Vivência foi outra experiência  que nos mostrou diversos projetos e realidades de moradores locais. Meu grupo foi levado ao Centro de Cultura do Cordão do Pássaro Colibri, em Outeiro, coordenado pela guardiã Laurene Costa Ataíde, que mantém a o projeto- iniciado pela mãe- de criar jogos praticados pelos chamados brincantes, trazendo de volta a valoração pelas tradições folclóricas. Esse resgaste histórico por meio da elaboração de cortejos que saem pela cidade, chamada de ópera cabocla, talvez seja a maior representação de termos que estão em voga na academia, como etnocomunicação e educomunicação. E nos fez refletir sobre o nosso papel como comunicadores e pessoas ao adentrarmos esses espaços.

Mas, sem duvida, o momento de mais unidade entre todos foi o ato contra o extermínio da população negra nos bairros de Belém. Foram diversos quilômetros gritando e cantando em uníssonos dizeres e músicas de ordem pelas ruas do estado em que mais pessoas se declaram negras e pardas- segundo o IBGE em 2013- e que também é a região onde carros pratas da milícia invadem as periferias matando jovens negros que encontram pela frente. Foi um momento de politizar nossas dores, transformar nosso luto em luta e em arte. E reiterar o não aceitar a interrupção… da fala e da vida, como Marielle, a nossa Mari, tanto bradava. Eu, que por tanto tempo rechacei o curso de jornalismo, me vi fazendo a cobertura do ato e entendendo que sempre estive onde tinha que estar afinal. E que a comunicação pode e deve ser um agente de salvação.

Durante a semana, houve ainda apresentação de trabalhos- que contou com artigo feito na Rural-, oficinas (que iam de teatro, técnicas de pesquisa à maquiagem drag) e grupos de discussões. O Rio de Janeiro levou o debate sobre a Intervenção Militar na cidade e como ela é vendida pela mídia, além de discutir sobre as distinções das formas de violências nos demais estados.

Isso e muito mais você só vai encontrar no Pará

Belém, no Pará, vista de cima

Belém, no Pará, vista de cima. (Foto: Douglas Colarés)

Como bons comunicadores e nada lesos, claro que a curiosidade e a câmera na mão não se restringiram aos espaços políticos. Turistar pela cidade foi uma necessidade de comunhão de energias. Conhecemos o Ver-o-Peso, famoso mercado no coração da cidade, que vende de comidas típicas a artesanato (com ambulantes ziguezagueando oferecendo carregadores de celular); pude nadar em um igarapé; atravessar o famoso rio Guamá durante um passeio que levei o farelo, mas que valeu a pena pela experiência de ver o sol se pôr sentindo o vento no rosto. O rio ao anoitecer cria uma áurea de mistério e sedução como se a qualquer momento o Boto pudesse emergir das águas.

Durante o passeio, enquanto conversava com uma moradora local- que tinha naquela vista como algo naturalizado, tamanha a quantidade de vezes que já fizera o percurso- percebi como Belém tem suas semelhanças com o Rio de Janeiro. O barco fazia uma viagem de mais de 1 hora, chegando numa cidade periférica da região. Não foi difícil associar às pessoas que saem de Niterói e adjacências e ficam horas em barcos e ônibus para chegar ao trabalho na capital carioca.

Essa percepção se intensificou quando conheci o parque zoobotânico Mangal das Garças. Localizado no meio do centro da cidade, em uma espécie de bolha ecológica verde, ele possui como uma das atrações um gigante farol, cuja vista lá de cima fascina e traz um mosaico da cidade formado pelas paisagens e vegetação do parque, mas rodeado por uma cerca de concreto formada pelos prédios, que vão de conjuntos habitacionais aos mais ricos edifícios. Para completar, um rio amazônico do lado oposto. Não muito longe dali, a Cidade Velha, com seu porto, igreja e barracas, em muito lembra outra antiga capital brasileira: Salvador e as descrições de livros de Jorge Amado. Não seria loucura imaginar o grupo de Pedro Bala, de Capitães da Areia, passando por ali em direção ao trapiche no areal. As belas garças e flamingos do Mangal dão lugar a uma fileira de urubus, vez por outra espantados pelos comerciantes locais. Ora colonial, ora cosmopolita, Belém de fato é muitas em uma!

Contudo, tanto na periferia como no centro pude sentir transpassar uma onda, uma vibração oriunda da cidade. Os tecnobregas nas caixas de som; os isopores vendendo chope a um real (nome para o sacolé/geladinho/chup-chup/dudu/dindin); as mulheres chamando o freguês para almoçar um peixe com açaí (o original, sem calda doce e com farinha) ou uma maniçoba, a feijoada paraense. Experimentei todas e aviso que não são para qualquer paladar! Mas égua, as frutas… ah, as frutas são o frescor, a cor e o sabor do Pará. Sejam elas próprias, em sucos, sorvetes ou cachaças. Pude experimentar o jambu, a castanha-do- Pará, o bacuri, a uxi, o muruci, o cupuaçu. Todos com seu néctar marcante, doces e com um azedinho quebrando no final. Uma combinação que em muito resumiu o Enecom. O Taperebá foi unanime entre nós. Uma mistura de manga com maracujá numa só fruta.

Alegro-me de ainda recordar esses detalhes. De volta à realidade e a rotina no Rio de Janeiro, parece que tudo se transforma em lembranças que a cada momento vão se esvaindo como a areia de uma ampulheta. O Bonde do Rio, como nos denominamos, se comprometeu se encontrar e criar um evento sobre a Qualidade de Formação do Comunicador. É a nossa forma de manter acesa a chama do Enecom. Independentes disso, em algum lugar da memória sempre estarão guardados esses quase 10 dias de troca de experiências. Esse lugar no tempo e no espaço que nos permitiu viver em um microcosmo, conciliando estudos, militância, turismo e – risos- ‘promiscuidade’.

Parafraseando Joelma, um dos símbolos do estado, foi um tempo de “tomar um tacacá, dançar, curtir, ficar de boas”. Porque enquanto estivemos no Pará, a sensação foi que o tempo voa!

 

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