Do Haiti para a Rural

Conheça, nesse perfil, um pouco da história de um estudante haitiano do curso de economia da UFRRJ, apaixonado pelo Brasil

— por Lucas Meireles

 

Estudante do curso de Economia e membro do PET Inclusão, o haitiano Mickenson Jean Baptiste, 27, já está bem adaptado à vida em terras brasileiras. Com português fluente, ele falou sobre sua vida no Haiti, a chegada ao Brasil, algumas diferenças culturais entre os dois países e os projetos que tem desenvolvido.

O local escolhido para entrevista foi tipicamente ruralino: a Praça da Alegria. As constantes pausas para cumprimentar os amigos já me traziam a dimensão do quanto Mickenson é querido na Universidade.

Vida no Haiti

Nascido na primeira capital Porto Príncipe, localizada no Distrito Oeste, um dos 10 que dividem o Haiti, Mickenson decidiu me contar sobre sua vida na Ilha Caribenha a partir de 2010, quando fez cursos de socorrista e começou a trabalhar na unidade haitiana da Cruz Vermelha. Também ingressou, em uma universidade local, no curso de Ciências Econômicas e passou a ministrar aulas de física e matemática como voluntário em um curso preparatório.

 

“Eu dava aulas no curso de manhã, estudava na faculdade à tarde e trabalhava como socorrista à noite. Trabalhava como socorrista para obter minha independência financeira e dava aulas porque gostava de ajudar as pessoas”.

 

Com desejo de conhecer o exterior, o haitiano conheceu o Programa Estudantes-Convênio Graduação (PEC-G), do Ministério da Educação, através de uma amiga que veio estudar em uma universidade no Mato Grosso. Depois de tentar, sem sucesso por falta de documentos, em 2011 e 2012, ele finalmente conseguiu apresentar toda a documentação em 2013.

“Eu me sacrifiquei de 2012 até abril de 2013 para tirar todos os papéis. Me sacrifiquei mesmo, porque esses documentos são caros”, contou.

Chegada ao Brasil

Pelo programa PEC-G , o estudante optou por morar no estado do Rio de Janeiro ou do Mato Grosso, mas acabou ficando com a primeira opção. No Rio, ele fez, durante 6 meses, um curso de língua portuguesa na UFRJ, antes de fazer uma prova de proficiência. Neste período,  chegou a morar com um grupo de compatriotas na Ilha do Fundão e, posteriormente, no Complexo da Maré.

Quando perguntado sobre o que mais estranhou em sua chegada ao Brasil, ele falou sobre alguns aspectos culinários como vitamina de abacate (no Haiti o abacate é comido geralmente com pão ou com arroz e feijão) e açaí doce, por exemplo, e costumes culturais como ver casais se beijando em público.

“A sociedade haitiana é meio conservadora, a gente tem uma cultura muito forte, muita tradição também. É um país muito religioso”, disse.

Contudo, ele disse que a adaptação foi mais fácil por conta de uma similaridade entre os dois países: a origem africana. De mente aberta, Mickenson comemora a convivência harmoniosa que tem com os amigos brasileiros.

“Eu me sinto muito bem quando a pessoa me fala ‘às vezes eu esqueço que o Mick é estrangeiro’. Me sinto muito feliz quando me tratam como nativo”, afirmou bastante sorridente.

O estudante entrou no curso de Economia na UFRRJ em 2015 e logo se tornou bolsista do PET Inclusão e Oportunidades na vida acadêmica dos alunos de origem popular.

Mickenson também falou que vir para o Brasil o ajudou a compreender melhor a si mesmo, enquanto indivíduo e enquanto cidadão haitiano. Em 2016, ele, juntamente com o compatriota Handy Claude Marie Millance, participou da V Semana da Baixada ministrando a palestra “Conhecendo o Haiti”, na qual abordou aspectos políticos, econômicos, culturais e curiosidade sobre sua terra natal.

“Foi sensacional para mim. Eu representei uma nação, carreguei uma bandeira nas minhas costas”.

 

O haitiano, no entanto, tem se mostrado incomodado com o esteriótipo criado pela mídia à respeito de seu país. Segundo Mickenson, em todas as reportagens sobre a Ilha, os jornalistas costumam usar o município de Cité Soleil, uma região muito populosa e pobre, como um resumo de todo Haiti.

“Aqui no Brasil você fala que é do Haiti e já pensam que você é de um país pobre, miserável, que foi afetado por um terremoto. Não sabe que o território tem 27000 km², que tem mais de 9 milhões de habitantes, que tem belezas naturais, turismo, tem gente rica e gente pobre, desigualdade social. Meu papel é mostrar esses lados”, disse de forma bem efusiva.

Projetos

Neste momento da entrevista, se juntou a nós o tutor do PET Inclusão e professor, José Claudio Souza Alves, mais conhecido como ‘Chicão’, a quem Mickenson considera um pai. O docente rasgou elogios a seu tutorado.

“O PET é uma escola. O Mickenson é um cara que percebeu essa oportunidade e foi atrás”, disse Chicão.

Atualmente, o estudante está à frente de dois projetos pelo PET. O primeiro é o Empreendedorismo Social Plural (ESP), que visa ajudar, com a estrutura financeira e analises técnicas como segurança alimentar e economia verde, os agricultores orgânicos do Sistema Participativo de Garantia (SPG)/ Raiz Forte. O segundo, idealizado por ele, é o Grupo Universitário para Inclusão Acadêmica (GUIA), que objetiva incentivar o ensino superior na comunidade de Seropédica e adjacências, trabalhando com escolas, EJA, visitando-os e trazendo para conhecer a Universidade Rural.

“Uma coisa que você faz no PET é descobrir do que você é capaz.  É nele que eu fico desenvolvendo meus trabalhos, testando meus conhecimentos e trabalhando”.

 

Mickenson também tem desenvolvido, com apoio pessoal e financeiro da sua namorada, Aline Borges, com quem comemorou recentemente 17 meses, a ONG Ayti Vanse. O projeto, mantido por cidadãos comuns, brasileiro e haitianos, trabalha com pessoas em vulnerabilidade social no Haiti dentro do âmbito da cultura, educação e lazer, realizando atividades como doação de material escolar, kits de alimento e financiar escolas para alunos. O nome também é carregado de sentindo, Ayti quer dizer terra montanhosa e era como os taínos (primeiros habitantes da região conheciam a Ilha).

“Eu quero fazer minha parte”, completou, de forma esperançosa.

Futuro

Com relação ao futuro, o haitiano tem deixado os planos em aberto. O PEC-G lhe garante ficar no Brasil até terminar seu curso de Economia, previsto para 2018.2. Depois disso, uma possibilidade seria, caso consiga uma bolsa, continuar no Brasil para cursar o mestrado. Outra seria retornar ao Haiti, mas esta decisão ainda deverá ser tomada em conjunto com a namorada.

“O que eu posso garantir é eu sempre vou estar em contato com meu país”, encerrou.

 

 

 

 

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