No Dia Mundial Mundial da Alimentação, debate no campus Seropédica traz questionamentos sobre o poder de escolha do consumidor.- Por Pablo Paiva
Na quarta feira do dia 16 de outubro, foi promovido um cine debate no Sintur UFRRJ abordando a questão da soberania alimentar. Com o espaço cedido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRRJ, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) realizou o evento, que contou também com apoio do Colégio Técnico da UFRRJ (CTUR) e a presença de membros do Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola (PPGEA).
Na abertura do encontro, Ivanilda Reis, diretora do Sindicato, demonstrou seu apoio à iniciativa do MPA e salientou que o espaço está sempre aberto à causa. Em seguida, assumiu a palavra Robledo Mendes, militante do MPA e professor do CTUR. Sua fala destacou a importância da chamada ‘soberania alimentar’. O conceito foi cunhado pela Via Campesina com a finalidade de caracterizar o direito sobre aquilo que devemos cultivar e como devemos nos alimentar, sempre de acordo com a cultura do Brasil. Esse direito de escolha, segundo Robledo, é inibido pelas ações intensivas do agronegócio, que opta por plantar e criar o que é mais rentável.
Pachamama
O primeiro filme apresentado foi a produção Pachamama: especulações sobre a fome. Inseridos no contexto africano, os presentes foram convidados a perceber para além da concepção de que a fome significa somente falta de alimentos. Em outras palavras, uma reflexão aprofundada sobre os problemas em Moçambique, gerados pelo governo através da venda de terras férteis para as indústrias do agronegócio. Além disso, tais indústrias secaram rios de suma importância para agricultores locais, inviabilizando o plantio e causando a seca na região.
As terras vendidas a países estrangeiros passaram a ser utilizadas no plantio que visa gerar biocombustíveis, demanda cada vez mais forte depois de 2008 com a alta do petróleo. Além disso, as plantações também têm como objetivo alimentar a população dos países que as detém, enquanto a população nativa sofre com a sede e a fome.
A mesa foi composta pela professora Bruna Távora, militante do MPA e docente do curso de Jornalismo da Rural, e Rúbia Cristina Wegner, do Departamento de Ciências Econômicas do ICSA. Rúbia começou salientando a falsa impressão de que o agronegócio atua como provedor de alimentos. A partir do filme, ela pontuou ainda três situações geradas pelas práticas predatórias do agronegócio.
A primeira delas é a crise de alimentos, devido ao aumento absurdo do preço dos grãos, consequência da demanda dos biocombustíveis como alternativa ao petróleo. Assim, o que poderia ser destinado ao combate à fome é utilizado na produção de combustível. Este, por sua vez, é empregado nas máquinas responsáveis pela manutenção das plantações e na logística do transporte dos alimentos ao redor do mundo. Com essa finalidade, os grãos passam a ser alvo da especulação financeira, tendo seus preços definidos por bolsas de valores, como a de Chicago.
A segunda situação é a denominada estrangeirização de terras, nas quais o agronegócio implanta grandes monoculturas em países subdesenvolvidos para atender as demandas de países ricos por combustíveis e alimentos.
O terceiro e último contexto apresentado por Rúbia é o da exploração das terras nos países emergentes. Como exemplo, a professora citou a obtenção de terras africanas pela China, que através de suas relações diplomáticas com países da África conseguiu espaço para a implantação do seu agronegócio. Dessa forma, o gigante asiático implementa seus laboratórios com a finalidade de desenvolver práticas de agricultura em larga escala.
Por sua vez, a professora Bruna Távora, tocando justamente no ponto da especulação, destacou que ‘a comida aparece como mercadoria, gerando uma cadeia na economia altamente predatória’. Ela ainda chamou a atenção para o forte atrelamento de veículos da grande mídia às indústrias do agronegócio, como observado nas propagandas da Rede Globo, cujo slogan é ‘Agro é tech, agro é pop, agro é tudo’.
Segundo Bruna, a associação da mídia com o agronegócio no Brasil acaba por invisibilizar os pequenos agricultores, causando a impressão de que todas as fontes de alimento são originadas nas indústrias. Diferentemente do que se pensa, no Brasil o cultivo de alimentos ocorre em pequenas fazendas, nas quais toda a produção é comprada do agricultor e só então passa para a esfera do agronegócio até chegar às prateleiras dos supermercados. Nesse sentido, Bruna Távora destacou a importância do MPA e da sua luta contra a invisibilização do pequeno agricultor no ciclo da produção dos nossos alimentos.
Maputo
No segundo curta apresentado, a perspectiva mudou um pouco. Os presentes ao debate foram apresentados ao conceito de agricultura urbana utilizado em Maputo, capital e maior cidade de Moçambique. Segundo o Censo de 2017, Maputo possui cerca de 2,5 milhões de habitantes. Desse número, 10 mil são agricultores.
No filme, o espectador pode perceber as áreas verdes da cidade, nas quais, em meio a moradias, agricultores fazem o cultivo dos alimentos. As terras são reivindicadas por associações de agricultores, que devido ao histórico socialista do país, possuem forte engajamento às causas ligadas ao campo.
Para a mesa, o debate trouxe Adélio Antonio Damas, licenciado em Química e Gestão de Laboratórios pela Universidade Pedagógica de Nampula, em Moçambique, e Roberta Carvalho Aruzzo, professora do Departamento de Geografia do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ.
Adélio, nativo de Moçambique, salientou como a agricultura urbana buscou novos solos a fim de ocupar novos espaços. Ele também contribuiu, em sua fala, para a desmistificação de alguns termos utilizados no filme. Por exemplo, apesar da língua oficial do país ser o português, desde 1975 algumas palavras são por nós brasileiros desconhecidas, como é o caso de machamba, segundo Adélio o equivalente a ‘quintas ou roças’ aqui no Brasil.
Como alguém que conhece realmente Moçambique, Adélio pôde transmitir a visão de que é possível a implementação desse tipo de cultura em outros lugares. Citou também uma das facilidades que tal cultura oferece, como a economia com os gastos de transporte dos produtos,
produzidos e destinados ao comércio da própria cidade.
Já Roberta Aruzzo salientou o interesse de se buscar a adoção de uma agricultura urbana, fugindo da homogeneização dos discursos no campo, reforçados pela ciência. A professora criticou a narrativa de que determinado grupo detém o poder do campo e as atividades devam ser coordenadas somente por ele.
Ainda na crítica à ciência, que segundo a professora não se preocupa com a saúde, foi citada a ativista ambiental indiana Vandana Shiva, que chama esse problema de ‘ciência degenerada’. Uma ciência que não se volta para a conservação e reprodução da vida. Roberta Aruzzo também reforçou o papel da mulher na agroecologia e na agricultura de quintal e seu pioneirismo na preocupação com a produção de alimento de qualidade.
No final do debate, foram distribuídos panfletos com os diferentes pontos de feiras e produção de alimentos do MPA no Rio de Janeiro. O Movimento conta com oito locais de venda. A ideia é aumentar estes pontos, buscando atender a demanda por alimentos orgânicos. Para saber mais sobre a programação das feiras acesse clique aqui.
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