ICHS recebe “ocupação artística” inspirada em Shakespeare

O processo de ocupação foi desenvolvido em parceria professores e alunos do curso de História e Belas Artes- por Ingrid Curytiba

A ocupação artística #shakespeareNAVALHA, instalada no corredor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFRRJ, é uma iniciativa conjunta de alunos e professores do curso de História, que surgiu a partir de disciplinas optativas ofertadas no início do segundo semestre de 2015. A proposta ganhou essa alcunha de ocupação justamente por estar acontecendo em um espaço não-convencional da universidade (um corredor de passagem entre o ICHS e o IE), numa tentativa de propor uma intervenção e dialogar com esse espaço.

O “processo de ocupação” foi concebido através da parceria entre o docente da disciplina História Moderna do DHRI, Alexander Martins Vianna, e o músico, ator, poeta e artista plástico Joel CostaMar. A proposta, no entanto, se desdobrou e agregou alunos do curso de História e Belas Artes, como os discentes Carla Andressa, Gabriel Folena, Gabriele Rosa e Lucas Santos.

Segundo seus idealizadores, a ocupação artística #shakespeareNAVALHA trata-se de um desdobramento artístico-investigativo do projeto TRÍPTICO GERMINANTE CRÍTICO-GENÉTICO: NARRAÇÃO, MÚSICA & TEATRO, concebido também por Alexander Vianna e Joel CostaMar. Nessa projeto, o foco foi “desenvolver estudos sobre processos de letramento histórico crítico-genético por meio da integração de linguagens de arte em contextos pedagógicos e artísticos”, explica Alexander.

 

  • Montagem do corpo do inanimado “FATHERING HERSELF?”, que representa Lavínia, da peça “Tito Andrônico”.

 

Segundo Alexander, foi o estudo das  peças de William Shakespeare (1564-1616) que redundou na criação da atual instalação artística pelos próprios discentes envolvidos no processo anterior de ocupação artística #CUIDADOPOEMA.

A proposta do trabalho, segundo os idealizadores, é que cada um possa se tornar atuante na instalação. Então, ler os sinais, os fragmentos, os materiais são importantes porque a partir daí uma nova experiência sensorial e cognitiva é experimentada, trazendo um frescor que só a arte é capaz de proporcionar.

A aluna Gabriele Rosa, do curso de História, é uma das integrantes da equipe responsável pela instalação. E assim como os outros participantes, todos tiveram uma peça de sua autoria na exposição. A personagem escolhida por ela faz parte da tragédia Tito Andrônico. Trata-se de uma mulher chamada Tamora, na peça ela traz sua condição feminina dentro de um código de masculinidade viril. Para Gabriele, a personagem retrata a personificação do medo misógino e do apetite sexual.

A escolha de materiais orgânicos para a composição da peça foi a referência, assim como na ocupação anterior CuidadoPoema. Durante o processo de concepção, a aluna usou elementos da natureza, como uma árvore, utilizada como metáfora do corpo feminino em degradação pelo olhar, pelo toque, pelo meio social e pelas tomadas de consciência.

Gabriele Rosa, estudante de História, também faz parte da equipe idealizadora da mostra.

Juntamente à estrutura central foi feito o símbolo do sagrado feminino no chão, que é representado por um vaso de flores simulando a respiração desse corpo que não cessa apesar da deterioração. Além das imagens penduradas no corpo da peça feitas pela artista plástica Jessica Harrison. As imagens entram em choque com essa natureza viva, trazendo um estranhamento e modificando a imobilidade de quem passa pela instalação.

 

“O intuito da ocupação é muito esse, é de provocar, deslocar. E é de ocupar não só o espaço, mas ocupar essa pressa, esse hábito do não olhar, do não toque, do não interagir”

Outro ponto apresentado pelo aluno do curso de História, Gabriel Folena, foram as expectativas que são criadas ao longo de ciclos da vida.  Ele explica que, no meio acadêmico, por exemplo, conhecer conceitos e cumprir prazos são premissas  que um bom entendedor deve ter. E com os textos, segundo Gabriel, houve o incômodo com esta perspectiva que não respeita individualidades. Acoplado a eles está uma figura de um corpo delimitado na cor preta para representar essa falta de ânimo e da quebra de esperança.

“CUIDADO ONDE PISA!”, cânones são muito perigosos! Em destaque: Gabriele Rosa e Gabriel Folena planejam novas ocupações do assoalho do hall de recepção do ICHS.

“E a partir da imagem e dos poemas, eu pretendo criar uma reflexão em quem lê, para se perceber dentro de um sistema que só exige. E a gente, às vezes, acaba se perdendo no meio disso”, explica o aluno.

Além de questionamentos poéticas ou acadêmicas, a exposição também traz temas atuais como a questão do estupro, pensada  pela aluna Carla Andressa, do curso de História. O tema foi representado pela personagem Lavínia, da peça Tito Andrônico (no decorrer da trama é abusada e tem seus membros amputados por familiares).

Visão de perfil do inanimado “LAVÍNIA É MAIS ROSA DO QUE ESPINHO”, situado na entrada principal do hall da recepção do ICHS.

A intenção da aluna é produzir questionamentos através de um vestido ensanguentado e com correntes, porém com flores atrelados a ele. O que traz a reprodução da vida que corre nesse corpo agredido, sem apagar ou tentar amenizar a violação. A forma como foi posicionada a peça é proposital para que as pessoas se enxergassem no lugar dessa vítima, refletindo e discutindo sobre um tema de tamanha relevância.

“A peça é um apelo à forma como a gente trata essas vítimas, a gente apaga elas e a gente acredita de que não há vida depois da violência.”

 

Processo em curso

Durante a concepção da mostra, os curadores fizeram um estudo minuncioso, segundo Alexander, dos materiais utilizados. “A intenção era explorar a ideia de transitoriedade e contingência do espaço, inclusive para lidar com códigos explícitos e tácitos de violência e sua invisibilização, particularmente aqueles de natureza feminicida”, explica o docente.

As paredes foram ocupadas com lambe-lambes, além de esculturas e pinturas também baseadas na leitura de tais peças. Os ares com esculturas feitas de materiais baratos e descartáveis (para representar personagens aristocráticos) e o chão com palavras, gravuras e demais expressões de vida que perecem rapidamente, tais como flores.

Para Alexander, a ocupação, que é uma iniciativa interdisciplinar, criou uma comoção diferenciada no lugar em onde foi instalada e deu vida ao corredor principal do ICHS. “Espero mais iniciativas interdisciplinares de docentes e discentes se interessem em ocupar a universidade com arte, mudando a forma de significar e se apropriar do espaço público numa universidade pública, gratuita e que valorize a diversidade sem imobilizá-la em essências”, finalizou.

O processo de instalação começou em 26 de outubro e segue até o dia 19 de dezembro de 2017.

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